Por Rede Brasil Atual
São Paulo – Aos poucos, a população brasileira deve acordar para a realidade econômica do país. Apesar de o governo ter conseguido aprovar medidas como a chamada “PEC do Fim do Mundo” (emenda constitucional que limita os gastos públicos) e ter vendido ativos importantes da Petrobras (como o campo de Carcará), economistas acreditam que o governo vai ter muita dificuldade daqui para a frente. E por erros de cálculo dele próprio. O principal equívoco talvez seja o de ter achado que a reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição 287) será obtida sem problemas, acredita Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida.
“O governo não sabe a luta que está sendo organizada para barrar essa reforma da Previdência. Todas as centrais e os sindicatos do Brasil inteiro estão se unindo (em torno da pauta). Eles (o governo) estão conseguindo unir todo mundo, porque essa reforma atinge trabalhadores do setor público e privado, do setor urbano e rural, ativos, aposentados e pensionistas. Mexe com todos”, diz. “Até agora as reformas foram fatiadas. Nunca conseguimos fazer uma mobilização completa por falta da consciência de que o que mexe com um, mexe com todos. Mas dessa vez o próprio governo fez o favor de mexer com todos.”
Para o economista Amir Khair, secretário de Finanças da gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1992), o governo Temer também erra ao calcular que suas reformas e a política de arrocho da economia passarão incólumes e que a política de ajuste passará incólume. “Eles estão tentando enfiar (as reformas) goela abaixo e o principal objetivo é a reforma da Previdência.”
Na opinião de Khair, é possível que o governo e sua base no Congresso consigam atingir o objetivo e aprovar a reforma da Previdência. “Porque estão de costas para a sociedade e jogando o peso todo como se o desgaste de agora não afetasse 2018. Acham que 2018 está distante e até lá a economia começa a crescer. E portanto continuaria um governo do PSDB, ou do PMDB e PSDB juntos, numa situação tranquila. Mas não é o que vai acontecer”, diz Khair. “Eles estão pavimentando um governo que não será um governo na sequência (do projeto) deles. Não sei quem vai ser. A história toda está muito nebulosa. Mas eles politicamente não serão bem sucedidos.”
Para o economista, a recessão é muito maior do que os governistas imaginavam e os estados estão em situação “deplorável”. O problema de estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul acontece não tanto pelo aumento de despesas, embora esse fator também conte, mas muito mais pela perda de arrecadação. “Não é como está sendo ventilado pela mídia, que o ajuste é a saída, que tem de ter disciplina fiscal. Quando você corta despesas destinadas à área social, você corta automaticamente receitas nas empresas e no setor público. Não existe isso de cortar despesa e não ter reflexo.”
Juros
Tudo passa pelos juros. Para Maria Lucia Fattorelli, é preciso analisar a conjuntura “de forma global”, e sob uma perspectiva de tempo ampla. “O ataque aos trabalhadores na reforma na Previdência, o privilegio do setor financeiro com os juros abusivos e outros mecanismos, como o R$ 1,1 trilhão nas operações compromissadas remunerando diariamente os bancos, o swap cambial do Banco Central, a privatização da Petrobras. Tudo isso está interligado.”
Na opinião da auditora, a crise é provocada por erros da politica monetária que não vêm de hoje. “No mundo inteiro o Estado é a locomotiva da economia. Quando o Estado faz investimento, encoraja o setor privado.” Sob essa ótica, a política que o BC vem adotando é equivocada. Por exemplo, em 2005, com Henrique Meirelles à frente, lembra Maria Lucia, a política do BC era acumular reservas às custas de emissão de titulo da dívida pagando “o maior juro de mundo, para enxugar dólar, numa época em que o dólar estava em queda em relação às principais economias, e disso resultou que em 2009 o prejuízo do BC com essa brincadeira era de R$ 147,7 bilhões, e continuando a pagar juros sobre isso.”
“Meirelles e Ilan Goldfajn (presidente do Banco Central) são banqueiros. Nunca um time de banqueiros foi tão forte como agora. Banqueiro não gosta de cortar juros. Estão falando que vão cortar, mas estou pagando pra ver”, diz Amir Khair. “Uma economia não funciona com 157% de juros de crediário como a nossa. Um país emergente trabalha com 10% de juros no crediário anual. Aqui é 157%.”
Violência
Nesse contexto de perda de direitos, expansão do desemprego e recessão, o aumento da violência é uma decorrência natural, como mostram a crise no Espírito Santo e a “falência” do Rio de Janeiro, onde houve confrontos entre manifestantes e polícia na semana passada. “A violência está aumentando, claro, porque as pessoas estão desesperadas e revoltadas. Os pilares que sustentam o modelo econômico e essa política têm de mudar”, afirma a auditora Os pilares que sustentam o modelo no Brasil, que precisam deixar de ser parâmetros, segundo ela, são a política monetária “suicida”, o modelo tributário regressivo e o sistema da dívida, “com pagamento de juros abusivos sobre uma dívida que nunca foi auditada e levando a metade do orçamento federal todo ano, sangrando também os orçamentos estaduais e municipais”.
Na opinião de Maria Lucia, o governo vai ter muitas dificuldades, se a reforma da Previdência passar. “Vai ser uma revolução nesse país, porque a insatisfação chegou num limite muito elevado. Ainda tem a reforma trabalhista, que arrebenta com a formalidade e com os direitos conquistados na época de Getúlio Vargas.”
Khair lembra que a principal notícia desta segunda-feira (13) foram os dados segundo os quais o comércio varejista registrou no ano passado o fechamento de 108 mil lojas no todo o país, pior resultado da série histórica desde 2005. “A perda de arrecadação causada pela recessão atingiu o governo federal e estaduais, e vamos assistir também nos municipais. Aí, sim, a parte social vai ficar pior. Os prefeitos que entraram agora (em 2017) vão ser os próximos ‘infelizes’,e vão pegar uma recessão pesada. Fizeram promessas de campanha enormes e não vão poder entregar nem metade do que pensavam”, prevê o economista.