Por Rosely Rocha – CUT Nacional
Foto Prefeitura Municipal de Caruaru
Um levantamento da economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, feito com exclusividade para o Portal CUT, mostra que o governo tem diversos mecanismos que poderiam pagar um valor maior do que a proposta de três a quatro parcelas de R$ 250, de um novo auxílio emergencial.
O governo estima que gastaria R$ 30 bilhões com o novo auxílio a ser destinado a 32 milhões de pessoas (menos da metade dos 67,9 milhões que receberam o benefício de R$ 600, em 2020). Também ficarão de fora desta nova rodada do benefício os beneficiários do Bolsa Família.
Denise Gentil enumera algumas das medidas que pagariam com sobra de dinheiro, o novo auxílio: um critério mais justo para a desoneração tributária, a cobrança de dívidas bilionárias de devedores da União e a taxação sobre lucro e dividendos de empresas.
Somente em renúncias fiscais, em 2020, o governo abriu mão de R$ 330,85 bilhões, representando 4,34% do Produto Interno Bruto (PIB) e 21,78% das receitas administradas pela Receita Federal. Esse valor equivale a uma elevação nominal de 7,98% em relação ao ano de 2019.
Embora as renúncias fiscais, quando o governo isenta de impostos alguns produtos ou diminui o valor a ser cobrado para incentivar a economia ou programas sociais, sejam bem vindas, em muitos casos, o que se vê é um privilégio a determinados setores que não precisariam pagar menos impostos, prejudicando a arrecadação do governo.
“Numa pandemia, as renúncias fiscais deveriam ser revisadas com urgência e dirigidas para setores estratégicos da indústria e para as pequenas e micro empresas, mas, o que se verifica é que o governo deixa de tributar megacorporações e os super ricos”, diz Denise Gentil.
De acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), cinco setores concentram cerca de 80% dos ‘privilégios tributários’. Os mais beneficiados são: Comércio e Serviços (28,4%); Trabalho (15,78%); Saúde (14,02%); Indústria (11,8%) e Agricultura (10,7%).
“Uma parte importante das desonerações é de privilégios a antigos e bem sedimentados setores econômicos, como o setor exportador”, afirma Denise.
O governo, segundo a economista, também poderia operar com maior eficiência a cobrança da dívida ativa das empresas para com a União, que alcançou R$2,4 trilhões em 2019, segundo dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de 2020. A dívida de templos religiosos, a título de exemplo, já soma R$ 1,5 bilhão.
Entretanto, o que se vê, de tempos em tempos, são renegociações com perdões, descontos e parcelamentos. Um privilégio dado a grandes devedores de tributos que não é estendido, na mesma proporção, em forma de alívio aos indigentes que necessitam do auxílio emergencial.
“A cada dois, três anos há rodadas de perdão de dívidas por parte do governo, sem nenhuma seleção para resolver a vida das pessoas mais humildes. Você não vê nenhum argumento sobre necessidade de se fazer ajuste fiscal quando o assunto é a arrecadação com cobrança de dívidas tributárias e previdenciárias dos setores patrimonialistas da nossa economia. O ajuste fiscal só tem um lado: o corte de gastos, principalmente na educação, saúde, assistência social, ciência e tecnologia”, ressalta.
Para Denise Gentil, isto é injustificável, principalmente numa época em que a ausência de perspectivas de emprego e o enorme atraso na vacinação estão tornando o país num caldeirão de insatisfações e violência.
“A fome está fustigando os 68 milhões de brasileiros que dependiam do auxílio emergencial e agora não têm mais como viver. Foram 2,95 milhões de domicílios a sobreviver apenas com os rendimentos recebidos do auxílio emergencial que custou ao país R$ 293 bilhões em 2020. Apesar desta tragédia, o Ministério da Economia acha insustentável a manutenção do mesmo patamar de ajuda para 2021, o que serve para mostrar a resistência em se fazer o que todos os países estão fazendo, o de socorrer suas populações e lutar por suas vidas”, critica a professora de economia da UFRJ.
As regras fiscais são mecanismos autoritários feitos para alcançar os trabalhadores e os mais pobres, para fazer descarte populacional dos que excedem as necessidades do capital e para disciplinar o exército de desempregados
Tributar os mais ricos
Uma receita de mais de R$ 43 bilhões ao ano poderia ser gerada se o governo cobrasse a alíquota de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas, argumenta a professora da UFRJ, com base nas estimativas dos economistas do Ipea, Sergio Gobetti e Rodrigo Orair Gobetti, em 2016.
A renda dos mais ricos, que provém predominantemente de dividendos e lucros distribuídos às pessoas físicas, é inacreditavelmente isenta do imposto de renda pela legislação brasileira. Em todo o mundo, somente o Brasil e a Estônia não tributam a distribuição de lucros e dividendos, afirma Denise Gentil.
“Se ainda assim, a soma de tudo isso não pagar, não tem problema nenhum, o governo pode emitir títulos públicos e pagar um auxílio, como fizeram a União Europeia e os Estados Unidos”, pondera a economista.
Setor agrícola e de pesticidas tem isenções questionáveis
As empresas que produzem e vendem agrotóxicos recebem um pacote de benefícios, com isenções e reduções de impostos, que chegaram a quase R$ 10 bilhões ao ano em 2020, segundo estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), feito por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
O valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é o equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente , em 2020, (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões), revelou o Repórter Brasil.
Já a renúncia fiscal da União com agricultura e agroindústria, em 2020, representou R$ 29,2 bilhões (8,84%) dos R$ 331,18 bilhões em arrecadação de impostos a que o Governo Federal abriu mão.
O pacote de maldades da dupla Jair Bolsonaro / Paulo Guedes em troca do auxílio
O banqueiro e ministro da Economia, Paulo Guedes, com aval de Jair Bolsonaro, quer ainda, em troca do novo auxílio que os servidores públicos fiquem três anos sem reajuste salarial, diz o jornal Folha de São Paulo, que teria tido acesso a conversas entre membros do Congresso Nacional e do Executivo federal. Outros ataques aos servidores estão contidos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, da reforma Administrativa.
Além disso, o governo espera aprovar a PEC do Pacto Federativo, com uma cláusula de calamidade pública, numa estratégia semelhante ao Orçamento de Guerra, aprovado em 2020 – o que retira o auxílio emergencial das restrições impostas pelo teto dos gastos. A aprovação do novo benefício só poderá acontecer dentro de três semanas, no mês de março.
Gastos injustificáveis do governo Bolsonaro
A economista Denise Gentil também lista outros fatores, que segundo ela, são gastos desnecessários do governo Bolsonaro que poderiam ser utilizados para atender a população mais pobre e reaquecer a economia.
“Os gastos com juros da dívida pública, por exemplo, que alcançaram 4,22% do PIB em 2020, equivalentes a R$ 312,4 bilhões do orçamento público, segundo Banco Central, não merecem qualquer resistência do governo”, critica.
Denise aponta, citando o artigo da Revista Piauí de Marta Salomon , como dinheiro usado inadequadamente, a compra, na virada do ano, pelo Ministério da Defesa de um satélite (de utilidade e qualidade questionáveis), ao custo de R$179 milhões e, no entanto, a devastação ambiental criminosa na Amazônia atingiu patamares recordes.
Ainda segundo ela, nenhum gasto superou em indignação aquele apontado pelo Portal Metrópoles que usou dados do Portal de Compras do Ministério da Economia para revelar que, no meio da terrível pandemia, o gasto com alimentação dos órgãos do governo federal, no ano passado, superou em 20% a quantia de 2019 – um total de R$1,8 bilhão (com surpreendentes R$15 milhões em leite condensado e R$2 milhões em gomas de mascar), a maior parte destinada ao Ministério da Defesa.
Todos esses exemplos de estratégias de gastos deixam evidente que o enxugamento do Estado e a autorregulação do mercado é um dogma que deve ser aplicado apenas para trabalhadores e famílias pobres, e isso não mudou mesmo diante de uma tragédia humanitária