Por Tiago Pereira, da RBA
A primeira semana de dezembro registrou recrudescimento da pandemia no Brasil. Foram 4.067 mortes registradas pela doença, maior número desde outubro. Esse período também marca o pagamento da última parcela do auxílio emergencial. Desde outubro, o auxílio de R$ 600 já havia sido reduzido pela metade. Agora, sem emprego e sem renda, as famílias que moram nas periferias aguardam com apreensão a chegada do novo ano.
Enquanto isso, o governo do presidente Jair Bolsonaro parece habitar uma realidade paralela. Em vez de buscar alternativas que garantam a sobrevivência das famílias mais pobres, ele e a primeira-dama Michelle inauguraram nesta segunda-feira (7) uma exposição com as roupas usadas na posse.
Crise e fome
Por outro lado, o quadro social crítico é agravado pelo falta de opções de trabalho. Ainda antes da redução do auxílio, o desemprego atingiu recorde de 14,6% – cerca de 14 milhões de pessoas – no trimestre encerrado em setembro. Com a flexibilização das medidas de isolamento, mais pessoas saíram à procura de uma ocupação.
Além disso, as famílias sofrem ainda com o aumento do preço dos alimentos. O valor da cesta básica registrou alta de 35% nos últimos 12 meses. Ou seja, em pelo menos cinco capitais do país o auxílio de R$ 300 reais não compra sequer metade da cesta com os produtos essenciais.
Nos últimos anos, ainda antes da eclosão da pandemia, o IBGE já havia registrado aumento da ameaça da fome no Brasil. No período 2017-2018 – ou seja, após o impeachment de Dilma Rousseff –, 36,7% dos domicílios do país enfrentavam algum grau de insegurança alimentar. Já o grau considerado grave de insegurança alimentar atingia 3,1 milhões de pessoas.
Depoimentos
Nas redes sociais, a campanha #NãoAoFimDoAuxilioEmergencial colheu depoimentos de famílias que temem pela futuro com o término dessa ajuda. Patricia, moradora da comunidade do Quiabo, na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro, conta que ela e o filho estão desempregados. O dinheiro do auxílio serve para comprar alimentos e fraldas para a neta que tem menos de um ano. “Se eu perder o auxílio emergencial, o que será de mim? Só a misericórdia”, lamenta.
“Se acabar, eu não sei o que vou fazer”, afirma Raquel Xavier Soares, de 36 anos, desempregada, mãe de 7 filhos. Moradora da mesma comunidade, ela conta que o marido vive de “biscate”. “Quando está chovendo, não tem serviço.” Ela também usa o auxílio para “comprar arroz e feijão para as crianças”.
“Se o auxílio acabar, muitas pessoas vão passar necessidade”, relata “William Elber Campos Rodrigues, de 25 anos, que também vive numa das comunidades do Rio. “A gente quer a nossa carteira assinada, para conseguir nos manter e conquistar nossos objetivos”, conta ele. Mas a mãe do seu filho também está desempregada, vivendo apenas do auxílio emergencial.
Segundo o presidente da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, acabar com auxílio emergencial “é crime”. “Estamos dentro da favela, visitando barracos e ouvindo moradores. Vai bater desespero no desempregado. Desempregado não por ser vagabundo, como se costuma rotular o pobre que não trabalha. Mas por não encontrar emprego, por mais que se esforce. Essa dívida social é do Estado brasileiro, e só pode ser paga por ele”, afirmou.
Alternativas
Segundo dados do Ministério da Cidadania, mais de 66 milhões de pessoas recebem o auxílio emergencial. Se considerados todos os integrantes das famílias, são cerca de 126 milhões de pessoas que dependem desses recursos. Esse número corresponde a 60% da população do Brasil. Contudo, às vésperas do Natal e do Ano Movo, o cenário é de “angústia” para essas famílias, com o fim do auxílio.
“Diante da falta de renda, aumento do desemprego e continuidade da pandemia, o cenário nas favelas e periferias é de desespero”, afirmou o coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, que apoia o protesto.
Ele destacou que são neste locais que a fome atinge mais fortemente as pessoas, principalmente as mulheres, a população negra e a juventude. Também citou o empobrecimento da população diante da alta do preço dos alimentos. “Continuamos com as ações de solidariedade aos grupos mais vulneráveis, mas infelizmente não tem sido suficiente para matar a fome de milhões de pessoas.”
Para enfrentar a fome e a miséria, a CMP e outras 300 entidades que compõe a Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) lançaram a campanha “A Renda Básica que Queremos”. O projeto, que está aberto para consulta pública, pretende instituir um auxílio permanente de R$ 600.