Por Rosely Rocha, CUT Nacional
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) estuda apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com a estabilidade dos servidores, reduzir jornadas de trabalho e salários. O objetivo da PEC é driblar uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e um artigo da Constituição. O STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que prevê a redução da jornada e dos salários de servidores quando os gastos alcançarem o teto de 60% do orçamento. Já a estabilidade dos servidores públicos, está garantida no artigo 41 da Constituição.
A proposta da PEC tem apoio de parte do Congresso Nacional. O senador José Serra (PSDB/SP), por exemplo, incluiu uma emenda no texto da reforma da Previdência, que ainda irá à votação no Senado, que permite a redução da jornada e, desta forma, a diminuição dos salários do funcionalismo.
Os ataques ao serviço público do país são vistos como parte de uma política entreguista e neoliberal econômica que quer criminalizar o servidor público, para que a população acredite que é melhor privatizar e vender tudo. No último dia 21, o governo já anunciou um pacote de 17 estatais que pretende privatizar ainda este ano.
A avaliação é do deputado federal e ex-presidente da CUT-PE, Carlos Veras (PT), do diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Pedro Armengol de Souza, e do professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, William Nozaki.
“Vivemos uma criminalização dos servidores públicos, que passaram a ser vistos como privilegiados, detentores de altos salários, que não trabalham e atendem mal a população”, diz Carlos Veras, que questiona: “Como atender bem se toda a estrutura pública passa por um desmonte para ser vendida e atender aos interesses do mercado financeiro?”.
“O cidadão que precisa do atendimento público acaba xingando e fica bravo, mas não entende que o servidor é tanto vítima como ele, por falta de uma mínima condição para exercer sua função com qualidade “, diz Veras.
Pedro Armengol concorda que a redução do funcionamento da máquina pública, com a não realização de concursos públicos para a contratação de novos servidores e as tentativas de retirada de direitos da categoria, faz parte de um plano para atender ao mercado financeiro. Segundo ele, Bolsonaro dá continuidade à política iniciada com o ilegítimo Michel Temer (MDB/SP) que instituiu a Emenda Constitucional n°95, do Teto dos Gastos Públicos, que congelou os investimentos por 20 anos, para garantir os rendimentos dos capitais especulativos.
“Com um orçamento extremamente limitado, a prioridade desse governo é utilizar os recursos arrecadados para garantir o rendimento dos capitais especulativos, e para isso ataca direitos dos trabalhadores, diminui as políticas públicas e a sociedade fica entregue à sua própria sorte”, critica o dirigente, que também é secretário-adjunto de Relações Trabalho da CUT.
Armengol diz ainda que a maioria das políticas públicas, como segurança, meio ambiente e saneamento, está sofrendo com sérias dificuldades porque o único objetivo desse governo é retirar direitos e vender tudo.
Se o governo Bolsonaro continuar discutindo uma reforma administrativa com esse olhar fiscal, de despesas, e nada mudar, o serviço público brasileiro vai entrar em colapso
Governo Bolsonaro atua pelo fim dos direitos sociais
O que está em curso, de acordo com o cientista político William Nozaki, é um redesenho da estrutura das funções do Estado, uma ruptura com os pactos confirmados no século 20, como os da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do governo de Getúlio Vargas, da Constituição de 1988 e do “Lulismo” (governo do ex-presidente Lula ), que desenharam o Estado pela lógica da ampliação dos direitos e da universalização das políticas públicas.
“Após o golpe de 2016, transformaram a estrutura do Estado brasileiro para atuar em defesa do mercado financeiro e para uma fiscalização moral e ideológica da sociedade. Nem nos anos 1990 [governos José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso] houve um momento tão preocupante de desmonte”, analisa Nozaki, que também é diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep).
Para ele, o atual cenário de desmonte das políticas públicas e de ataque aos servidores é resultado de um conjunto de sobreposições de forças neoliberais que atuam na gestão da política fiscal e dos gastos sociais, que impuseram a Lei de Responsabilidade Fiscal, a PEC do Teto dos Gastos Públicos e a Regra do Ouro – mecanismo previsto na Constituição que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. Quando a regra é descumprida, os gestores e o presidente da República podem ser enquadrados em crime de responsabilidade.
Essa política neoliberal engessa e impossibilita o Estado de implantar políticas públicas. É o colapso do atendimento básico como serviços da saúde, educação e assistência social
O cientista político lembra que o Brasil vinha de um ciclo marcado pelo avanço social e um Estado que tinha como norte uma ação pública que negociava direitos dos mais ricos e dos mais pobres. “Hoje, o Estado deixou de ser mediador e agora arbitra em favor dos mais ricos, deixando de defender os direitos dos mais pobres”.
O resultado disso, segundo ele, é o sentimento de meritocracia, já que há um esgarçamento da noção da cidadania, que tenta construir sujeitos individuais responsáveis pelo próprio destino independentemente da ação do Estado.
Nozaki acredita que Bolsonaro utiliza o mesmo discurso de Temer, de que a reforma Trabalhista e a PEC do Teto eram necessárias para a retomada da economia. O mesmo, segundo ele, disseram sobre a necessidade do impeachment da Dilma e da prisão do ex-presidente Lula. Agora é a vez da reforma da Previdência ser necessária. Mas, ao contrário do que dizem, nenhuma dessas ações foi e será capaz de reativar o desenvolvimento econômico.
“Isto só mostra um discurso ideológico que quer induzir a opinião pública e dificultar a percepção de que se trata de um desmonte do país e da própria sociedade. A médio prazo isso criará um colapso social. Mas, como eles se interessam pelos ganhos a curto prazo, subestimam os efeitos colaterais das atitudes de hoje”, afirma Nozaki.
Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público
Para defender o serviço público contra os ataques do governo Bolsonaro e discutir o papel e o aprimoramento do funcionalismo sem esquecer os direitos dos servidores, foi instalada nessa terça-feira (3), a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, com a participação de 235 deputados e seis senadores.
Segundo Carlos Veras, um dos deputados da Frente, é preciso mobilizar e esclarecer os parlamentares e a população de que é preciso “pôr o pé na porta” e não deixar o atual governo destruir totalmente o serviço público.
Precisamos de união aqui no Parlamento, mas sem a pressão das massas não conseguiremos segurar esses ataques. A pressão das ruas, a reação popular é fundamental para evitar danos
O deputado acredita que, apesar dos ataques tanto aos servidores públicos como aos demais trabalhadores, a população começa a se opor à retirada de direitos, ao trabalho precarizado, quase escravo, mesmo com medo de perder o emprego, porque no final do mês, a conta não fecha. Não está dando para pagar o aluguel e pôr comida à mesa.
“Os trabalhadores vão ressurgir e reagir a esses ataques”, diz Carlos Veras.
“Quando você vê a última pesquisa Datafolha, que mostra que a maioria da população rejeita Bolsonaro, vê que está se desenhando o contrário do que esse governo quer. A população está acordando, sabe que foi vítima de uma eleição ganha por meio da mentira, das fake news e manipulações”, diz o deputado.
“O povo também sabe que este governo não tem nenhuma proposta de desenvolvimento com geração de emprego e renda e justiça social. Tanto que a mesma pesquisa mostrou que, para a maioria dos brasileiros, o desemprego vai aumentar nos próximos meses”, conclui o deputado.