Por Eduardo Maretti, da RBA
A destruição da indústria naval brasileira, que começou com a operação Lava Jato em 2014, abriu seu segundo capítulo em fevereiro, quando o governo anunciou mudanças na exigência de conteúdo local para contratações de equipamentos pela indústria de petróleo. Os novos métodos, que reduzem de 65% para 25% o percentual de conteúdo local das plataformas, por exemplo, e em cerca de 50%, em média, o conteúdo de outras instalações provocaram reação no Congresso Nacional, com desdobramentos esta semana.
Depois de comissão geral para debater o tema, realizada na Câmara dos Deputados na quinta-feira (30), parlamentares prometem a criação de mais uma frente parlamentar em defesa da indústria naval do país esta semana. Na quarta-feira (5), devem realizar audiência com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para discutir o assunto. As novas regras de conteúdo local estão previstas para vigorar em setembro, na 14ª rodada de licitações de blocos para exploração de petróleo e gás natural, e novembro, em nova rodada de leilões de blocos no pré-sal.
Parlamentares e membros de frentes parlamentares que têm afinidade com o tema conteúdo local e entidades como Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval (Sinaval) tentam unir interesses comuns para deter a derrocada da indústria brasileira.
“A direção da Petrobras está fazendo um desserviço ao país e à própria Petrobras. Quer a revisão das exigências de conteúdo local até para a produção na área de Libra, o que é um absurdo. O ataque ao conteúdo local parte principalmente dos interesses das grandes petroleiras mundiais, que querem vir ao Brasil trazer sua cadeia de fornecedores junto e exportar o emprego brasileiro para eles”, protesta o deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA), organizador da comissão geral.
Segundo ele, o principal objetivo da mobilização é evitar que o país volte a ser mero exportador de commodities. “É isso que a cabeça estreita da direção da Petrobras e do governo querem. Nós já vivemos isso no ciclo do ouro e da cana de açúcar.”
O Brasil chegou a ter, no final do governo Dilma Rousseff, ao final de 12 anos de recuperação, 83 mil trabalhadores na indústria naval. Hoje, os trabalhadores são pouco mais de 30 mil.
Esse processo só vai ser interrompido “com uma pressão muito grande da sociedade”, acredita o deputado Henrique Fontana (PT-RS). Ele conta que na agenda de mobilizações em defesa da indústria naval e brasileira os parlamentares tentam “estruturar um grande ato político” com a presença dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ainda não há data para esse evento, que, de acordo com ele, pode ser realizado no Rio Grande do Sul, “para sensibilizar o Brasil inteiro”. “É um crime o que está sendo cometido contra a engenharia e a indústria nacional.”
Desemprego e tristeza
Em qualquer lugar do país onde a indústria naval ressurgiu na última década e meia, a promessa de desenvolvimento deu lugar ao desemprego e à tristeza. O polo naval de São José do Norte (RS), por exemplo, que já teve 20 mil trabalhadores, hoje tem apenas 3 mil.
O estaleiro do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, que em março de 2014 chegou a ter quase 8 mil trabalhadores e estava se tornando orgulho da indústria naval do Nordeste, hoje é um imenso canteiro de obras abandonado.
“Infelizmente, o governo Temer tem se especializado na lógica de exportar empregos. Seja na linha de gestão na atuação do BNDES, seja nas compras ou exigências feitas nos leilões para exploração de petróleo e nas compras da Petrobras, o conteúdo local tem sido abandonado. Estamos vivendo uma crise enorme na indústria naval”, diz Henrique Fontana. Ele lança nesta terça-feira (4) a Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval Brasileira, às 17h30, na Câmara, “para unificar as diferentes frentes e defendermos a indústria nacional e o conteúdo local”.
Na semana passada, o presidente da Abimaq, João Carlos Marchesan, chamou de “burra” a decisão do governo de reduzir os percentuais de conteúdo local no setor de petróleo. “A decisão é burra em relação à indústria brasileira, mas atende perfeitamente aos interesses das grandes companhias mundiais de petróleo”, declarou à revista CartaCapital.
Presente à comissão geral na Câmara na semana passada, o representante da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Artur Araújo, falou da gravidade da eliminação do conteúdo local em curso.
“Esse sinal que foi dado pelo governo e pela Petrobras, o que é mais grave, terá um custo para o país de 5 mil engenheiros dos mais capacitados. Isso não significa só 5 mil pessoas, 5 mil famílias. O que se perde violentamente é a capacidade de pensar. Se dispersa conhecimento, se desmonta equipes, em nome de abrir, de forma irresponsável, o setor para o mercado externo”, disse Araújo, segundo a Agência Câmara.